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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

409 - Preciosidades antigas de Várzea-Alegre - Por Antônio Morais.


Da minha infância, ficaram bem registradas as temporadas de chuvas, quando existiram. O ano em que nasci, 1959, foi um ano de seca grande, que judiou o sertão. Mamãe nasceu em 1932, outro ano de grande seca. Podia-se assim referenciar o tempo pelos anos das secas maiores, devastadoras: 1725, 1877, 1915, 1932, entre outras. Mas o registro das chuvas também marcou profundamente a memória de cada um. Porque no ano em que chovia abundante, aquele sertão mudava, ficava bonito, ficava farto, as pessoas também mudavam, mais alegres, mais confiantes no presente e no futuro próximo.

Nos dias de chuva, tomávamos banho, crianças e adultos, nos quintais de casa ou pelas calçadas, de biqueira em biqueira, aquele jorro de cristalina água caindo espalhafatoso, formando correntezas junto aos meios-fios, pelas ruas de pedras, carregando folhas, gravetos, lavando o tempo, limpando o mundo, refrescando a alma.

E quando chovia por dias seguidos, renasciam como se por milagre os riachos. De repente lá estavam: riacho do Machado, riacho do Meio, Mocotó, riacho do Feijão, e da Fortuna... Eles desapareciam nos verões quentes, de sol posto varando dias e meses, mas ressurgiam logo nas primeiras chuvaradas, de repente lá estavam, redivivos, alegres, valentes, caudalosos. Interessante como guardavam na memória o rumo e o prumo, mesmo após longo tempo de espera, as águas iam em frente farejando os seus leitos estreitos e os preenchendo, de forma que logo estavam de novo desenhados, revisitando suas margens, inundando as várzeas, levando promessas de boas colheitas de arroz.

De modo que logo também se enchiam os açudes. Tantos e tão bonitos, pequenos decerto em se trilhando o vasto mundo, pois bem, mas ouçam-se somente os seus nomes: Vacaria, Mameluco, Olho D’Água... Já por si não contêm a magia e o encanto?

Como as árvores, arbustos, matas, que de cinzas e desfolhadas, um sem fim de galhos secos e espinhos, esqueletos de uma natureza que se imaginava morta, de pronto se tornavam bonitas, verdes, frescas, viçosas... As flores? Bastava se olhar nos campos, as marias-brancas, as campânulas roxas, azuis, invadindo cercas, eitos, paus, estradas e brejos, numa boniteza que não tinha tamanho..

E assim avançavam as águas para depois das arredias ruas, retintando de alegria as pessoas, pelos riachos velozes, enfeitando de flores os campos, transbordando as lagoas. Lagoa de Dentro, Lagoa de Iputi, Lagoa de São Raimundo ...
Dr. José Bitu Moreno.



2 comentários:

  1. Um texto de leitura prazerosa. Transborda de lembranças e saudades a todos nós.

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  2. Boas lembranças, grande Morais!
    Chuva no sertão, riacho botando, a garotada faz festa, não tem coisa melhor!

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